
- os programas de TV aberta editados (que censuram nudez e palavrões),
- o programa 24 horas em canal pago (autocensurado pelos edredons),
- o que acontece na casa mas não vai ao ar, e
- o "programa" que nossas mentes imaginam e desejam ver. Sem este roteiro inconsciente, os anteriores não existiriam.
Nossa curiosidade natural por ver o que está oculto - e especialmente o que não tivemos autorização para ver, em nossa infância - dá sentido a atividades culturais como o teatro e o cinema (em seu próprio étimo, a televisão já denuncia nosso voyeurismo: ver à distância). Há quem use binóculos exclusivamente para espiar a vida alheia, o que denota uma necessidade ainda mais específica de observar cenas íntimas.

José Francisco mencionou também a teoria darwinista. No ambiente natural, os machos brigam pelo poder e as fêmeas buscam o macho mais apto para a reprodução. Os instintos de sobrevivência normalmente estão associados aos instintos eróticos, explicou o psicanalista, mas em situações altamente estressantes - como o enjaulamento ou a vida numa ilha deserta - eles se dissociam e aparecem os comportamentos violentos, as intrigas, a dissolução dos valores civilizados, a regressão aos instintos mais primitivos.
Todos nós temos esses instintos básicos, mas sob alto stress eles podem descontrolar-se. Às vezes, repressões intensas demais podem originar perversões como o fetichismo, a pedofilia, as compulsões, o voyeurismo patológico e outros sintomas. Em outras palavras, se não fosse pela repressão neurótica pareceríamos tarados sem controle (uma colocação freudiana, frisou o palestrante)... e o BBB não poderia ser transmitido na TV aberta.

Freud fala inicialmente do voyeurismo em 1905, no primeiro dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade ("As aberrações"), e fará inúmeras correções a esse texto nos 20 anos seguintes. Se ele vivesse hoje, falaria da TV como um canal de expressão de nossa curiosidade visual e sexual, manifesta ou dissimulada, normal ou desviada.
Sem usar a palavra "voyeurismo", a edição inglesa preferiu escopofilia para referir-se ao "prazer de olhar". A versão espanhola - que também lê do original alemão - traduz como "instinto visual". Todas essas expressões se referem à curiosidade instintiva da criança (não limitada ao sentido da visão), que pode ou não derivar em perversões, posteriormente.
Entre uma enorme variedade de alterações, o voyeurista mais perturbado (forma pura) seria aquele cujo único prazer sexual provém da observação de intimidades alheias, sem que o observado saiba da presença do curioso. Em outros casos, o observador aceita ser visto, ou consegue sentir prazer por formas interativas, ou pode gerar prazer no outro etc.
Indiretamente, Freud alude a sua própria curiosidade visual quando explica o uso do divã. Ele diz que o não olhar-se de frente tem várias vantagens (para ele ausentes na relação cara-a-cara com o paciente):
- Não posso suportar ser encarado fixamente por outras pessoas durante oito horas ou mais por dia
[Na versão espanhola: Não resisto passar oito ou mais horas por dia tendo o olhar de alguém constantemente fixado em mim]. - Visto que, enquanto estou escutando o paciente, também me entrego à corrente de meus pensamentos inconscientes, não desejo que minhas expressões faciais deem [a ele] material para interpretação ou influenciem-no no que me conta
[a ideia não é comunicar-se, mas estimular o narcisismo do paciente]. - Em geral, o paciente encara [a posição do divã] como um incômodo e rebela-se contra ele, especialmente se o instinto de olhar (escopofilia) desempenhar papel importante em sua neurose
[ou seja, se o paciente for mais curioso que o analista].
Insisto nesse procedimento, contudo, pois seu propósito e resultado são
[a] impedir que a transferência se misture às associações do paciente,
[b] isolar a transferência e
[c] permitir-lhe que [essa transferência] apareça, no devido tempo, nitidamente definida como resistência.
Fonte: Sobre o início do tratamento, 1913; transcrito da edição eletrônica das Obras Completas.
[As expressões entre colchetes e itálico foram acrescentadas para esta nota].
Em outras palavras, o psicanalista precisa de uma alta curiosidade e um alto prazer em observar os comportamentos alheios, maiores que o normal das pessoas que gostam de cinema, teatro ou TV. A falta de pudor deve ser tal que ele possa, sem falsos escrúpulos, pesquisar na intimidade sexual dos pacientes, sem mesclá-la com a própria, como se estivesse vendo um escabroso reality show, oito ou mais horas por dia e cada vez mais interessado (talvez por isso muitos psicólogos e psiquiatras não suportem ver um minuto de BBB, que lembra em parte o seu próprio trabalho). Pacientes mais exibicionistas adorarão o método do divã, mas outros (mais escopofílicos) precisarão de um analista mais próximo, tranquilizante e participante.
Imagens da web (foto 4: "Voyeur", Juanjo Fernández)