Num texto de 1921 sobre a psicologia de grupo, Freud comenta que é fácil observar a fuga de um grupo militar, mas bem mais difícil notar o fim de uma religião.

- O romance [...] conta como uma conspiração de inimigos da pessoa de Cristo e da fé cristã teve êxito em conseguir que um sepulcro fosse descoberto em Jerusalém. Nesse sepulcro encontra-se uma inscrição em que José de Arimateia confessa que, por razões de piedade, retirou secretamente o corpo de Cristo de sua sepultura, no terceiro dia após o sepultamento, e enterrou-o naquele lugar.
A ressurreição de Cristo e sua natureza divina são dessa maneira refutadas e o resultado da descoberta arqueológica é uma convulsão na civilização europeia e um extraordinário aumento em todos os crimes e atos de violência, os quais só cessam quando a conspiração dos falsificadores é revelada
(Psicologia de grupo e a análise do ego, seção V, volume 18 das Obras Completas).

A comunidade cristã, "mesmo que se chame a si mesma de religião do amor, tem de ser dura e inclemente para com aqueles que a ela não pertencem". Do mesmo modo - diz Freud neste texto - toda religião tem amor para seus fiéis e crueldade para os alheios a ela.
Em autorreferência indireta - ele que era vítima da intolerância religiosa (inclusive de cristãos) contra o povo judeu - Freud acrescenta que, quanto à crueldade, as pessoas descomprometidas da religião "estão psicologicamente em situação muito melhor" que as pertencentes a uma. Racionalmente, considera que, justamente por os crentes serem (e precisarem ser) tão intolerantes, não devemos ser severos demais ao criticá-los... "por mais difícil que possamos achá-lo pessoalmente" (outra sutil alusão ao que sente ser difícil: deixar de censurar os crentes).

Atento à política internacional - especialmente ao deslocamento da intolerância desde as religiões para o coletivismo marxista - Freud conclui notando que a violência religiosa havia amainado no século XX, mas não se poderia deduzir "uma suavização nos costumes"; ao contrário, a intolerância poderia até recrudescer.
- A causa [da menor violência] deve ser antes achada no inegável enfraquecimento dos sentimentos religiosos e dos laços libidinais que deles dependem.
Se outro laço grupal tomar o lugar do religioso - e o socialista parece estar obtendo sucesso em conseguir isso - [alusão à Revolução Russa de 1917], haverá então a mesma intolerância para com os profanos que ocorreu na época das Guerras de Religião [violência entre católicos e protestantes franceses, do século XVI], e, se diferenças entre opiniões científicas chegassem um dia a atingir uma significação semelhante para grupos, o mesmo resultado se repetiria com essa nova motivação
(citação do mesmo texto de 1921, com parênteses acrescentados para esta nota).
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